Comocoxico

Local para contar estórias, causos, mostrar retratos, recitar poesias, encontrar e reencontrar os filhos e amigos de Caculé.
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terça-feira, 13 de outubro de 2009

FRANCINA, Heroína Sertaneja

Naquele tempo Caculé não tinha água, quando eu falo água, não me refiro à água encanada, cisternas, chafariz. Não, eu me refiro somente a vida que não era dada e permitida, (até que chegassem as enchentes que tornavam a água corrente, intragável, para gente e bicho). Pois de quando em quando ainda chovia, ( de novembro a janeiro alguma coisa até março, depois só com Deus)

Vivíamos para beber, lavar roupa e cozinhar água do rio do Antônio, mas água não vinha da correnteza do rio, (este quase não existia). Mas das cacimbas, cavadas nas areia do leito do rio, até que minasse uma água quase filtrada, cristalina e podem perguntar aos sobreviventes das cacimbas, gostosas saudáveis. Sim, porque até hoje, passados mais de 50 anos, eu não me lembro de qualquer homem, mulher, criança ou animais daquele tempo que tivessem xistosoma, ameba ou outros vermes, que hoje em dia são quase animais de criação dos brasileiros.

Neste árido cenário, eu vejo, Francina, branca, pequena, magra, quase esquelética, sempre com o nariz marcado pelo “torrado” (fumo em pó, que ela cheirava, guardava em um chifrezinho e que minha avó sempre roubava uma pitada).

Rendo homenagens a Francina, porque em parte eu devo a ela a minha sobrevivência, se não sou hoje, gordo, rosado, vendendo saúde, pelo menos como diz uma amiga de uma geração posterior, “ ainda dá um caldinho”, aos sessenta anos.

(Francina tinha uma força descomunal, é uma resistência absurda por um preço insignificante, pois as famílias viviam na pobreza ou até mesmo em troca de um café com pão), ela transportava incontáveis vezes água para as várias famílias da Rua Pinguela, para as casas de lado e do outro da rua. Recordo a imagem de infância, brincando nos quintais descalço da casa de minha avó, uma ladeira de inclinação razoável, o barranco e sempre observava a figura de Francina descendo ou subindo equilibrando uma lata de água na cabeça, em sua prece silenciosa.

Eram dezenas de viagens, para os Fróes, para Dona Sinhazinha, os Pereira, os Fagundes, o Aquino, os Cavalcanti, onde vejo que dezenas de crianças que hoje, adultos e sem nenhuma recordação sequer das dificuldades de água, que passávamos. Pois os potes sempre estavam cheios nas nossas casas graças à Francina.

Francina era o rádio, a fofoca e a informação de segurança. As famílias mantinham uma certa discrição entre uma casa e outra, mas, Francina, entrava em todas, como uma repórter, e captava atentamente o clima ambiental, as preocupações, as dores, as alegrias. Eu me lembro dela informando, “chegou visita na casa de fulano”, seu fulano tá com uma febre danada”. Minha avó, esperta, mandava encomenda para as amigas, “ ô Francina, quando você for botar água na casa de Drª. Cicrana, entregue este bilhete. Segurança total Francina não sabia ler.

As enchentes do rio era um perigo, não que a chuva não fosse bem vinda, os animais esperavam com mais ansiedade do que os humanos. Pois mesmo quando secava o rio, Francina cavava mais fundo e sempre trazia água. O preço da lata nunca subia na escassez, quem sua era Francina, pois as casas todas tinham um ladeirão danado até o rio. Aos primeiros sinais de mais água corrente, mais plantas passando pelo rio, Francina dava logo o alarme, “ Vai encher, enche logo os potes”. Era época de captar, guardar, conservar a água, para beber, nos potes, para lavar, num tonel ou tanque ou outra vasilha. Quando a chuva caia, Francina não trabalhava, ficava pelos cantos das casas encolhida, cheirando “torrado”, parecendo que só os olhos falavam, e de água ela entendia, após a primeira pancada de chuva, os telhados eram limpos das poeiras, dos cocôs dos pássaros, aí Francina, entrava em ação, inventando jeitos de captar água, para conservação, ela ajudava na aquisição de potes, sabia de sobra à cerâmica mais adequada. Foi um representante de uma profissão que desapareceu, o aguadeiro. Em outras cidades a água chegava em lombo do burro. Para mim chegou no lombo de Francina. Benza a Deus.

Sumí de Caculé, só voltei muitos anos depois, já grande, fui reconhecido por Francina, que aproveitou para me passar um carão, “Eu protegi as cacimbas de aves, bois e cavalo, e você vinha com seus primos sujar as cacimbas dos outros”. Não me lembrava, mas se foi verdade, merecia também uns cascudos.

Francina, não trabalhava mais, não por falta de força, vontade ou resistência, é porque o progresso eliminou algumas profissões do passado. A água agora chegava às casas, encanada, vindo do Comocoxico. Soube que ela chegou a se aposentar pelo Funrual, formalmente. Ótimo.

Francina é ainda lembrança na minha vida, me deixa mais humilde, lembrar dela, pois ninguém vive sozinho, para cada vida, neste cenário divino, tem as vezes centenas de médicos, lixeiros, professores, aguadeiros, que de uma forma ou de outra serviam para dar continuidade á consciência da vida, tanto dos amigos quanto dos inimigos, que circulavam em torno de nos, visíveis ou invisíveis. Seguindo o grande plano traçado, não por nós, mas por Deus. Sonho de vez em quando com Francina, subindo pacientemente o barranco com uma lata de água na cabeça. Penso nela, agora lá em cima, velando para que as nuvens fiquem sempre carregadas. Pra despencar no sertão vermelho do Caculé.

Por: Altamiro Castilho

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Moraes, sempre receptivo e atencioso! por Beto Pereira

Desde que encontrei MORAES pela primeira vez, após ficar famoso, percebi o quanto ficou marcado em sua lembrança o período em que morou em CACULÉ, para conclusão do curso científico no nosso saudoso "Colégio Estadual Norberto Fernandes". Tempo também de serenatas, com os primeiros acordes, quando a luz da cidade apagava às 23:00 e, em que foi centroavante do Colo-Colo, ainda no Campão Juvêncio Carinhanha. Foi num super-show na ASCADE (Associação da Câmara dos Deputados), em Brasília, que o encontrei. Naquele ano de 1980, Moraes Moreira estava "bombando", era sucesso no Brasil inteiro com o maravilhoso disco "Bazar Brasileiro", lançado no ano anterior e, talvez o melhor da sua excepcional carreira como compositor. Dei um alô para ele na descida do palco e ele me chamou ao seu camarim, ordenando ao segurança que eu estava liberado para descer. Lá, nos falamos pouco devido ao grande assédio, mas, o suficiente para ele lembrar de Grampão (Arnu), Nilo, D. Iaiá com seus filhos Tidinha, Biru, Custódio, Silvinho e Lia, Chico Louro, etc.

O tempo passou e, em 1984, vim morar em Salvador, onde estou até hoje, e passei a me encontrar com ele mais frequentemente, isto é, em todos os seus shows aqui, de 84 para cá. Há alguns anos fiz amizade com seu irmão caçula, Pilô, e hoje somos grandes amigos, inclusive gravamos um disco agora recentemente, o qual faremos o lançamento em Ituaçu no próximo dia 10 de outubro. Hoje sou amigo de toda a família: D. Nita (a matriarca, uma pessoa linda com seus 92 anos); Zé Walter (o primogênito, advogado, grande escritor, cordelista); Maria Helena (uma simpatia... muito inteligente); Moraes (dispensa comentários...); Eduardo (advogado, grande negociador...) e Pilô (prá variar, também grande compositor); os cinco irmãos como diz a linda composição de Pilô: “Somos cinco feito dedos, feito dedos cinco irmãos; irmãos de sangue, corpo e alma; irmãos de cara e coração”... Também sou amigo dos seus sobrinhos Pablo (filho de Zé Walter) e Yuri (filho de Pilô com Tânia, que também é minha amiga). Não poderia deixar de falar que tive o imenso prazer de tocar e cantar um pout-pourri das músicas maravilhosas de Moraes, nos 90 anos de D. Nita, uma linda festa para parentes e amigos próximos.

No São João deste ano, estando em Caculé, fomos para Ituaçu (eu, Carrilho, Fernando Coelho, Neutinho Borborema, Márcio e Kátia) ver o show de Moraes e sua banda completa: seu filho, grande instrumentista, Davi Moraes; Cezinha na batera; Marcos Moleta no bandolim; o legendário Repôlho na percussa... Um grande show ao estilo junino, sensacional!! Lá, quando chegamos à casa de D. Nita, ele (Moraes) foi logo perguntando por Dudula, Eustórgio, Lícia, Prof. Deba, Zé Porto... Lembrou passagens no colégio, no jardim, no clube social, na caixa d’água... Não esquece de ninguém, de nada. No papo gostoso e familiar quase acabamos com o licôr maravilhoso e incomparável, feito artesanalmente por D. Nita.

Bom, finalizando, o desafio agora é levar Moraes para o próximo São João de Caculé, para o que contaremos com a ação decisiva e costumeira do nosso brilhante prefeito Luciano!! Inclusive já falei com Valdo Seabra sobre um show no Bacurau!!

Obs: Na foto a homenagem que fiz a Moraes em 2004: Moraes, eu e Pilô, e a camisa do Colo-Colo (com propaganda do bar Marajá, de Careca e Dircinho).